quinta-feira, 8 de julho de 2010

REFLEXÕES ENTRE "VIVOS/AS" E "MORTOS/AS"




Peço licença a utilizar este espaço, notadamente para informes e propostas do CEHL, para compartilhar uma reflexão que há muitos anos acalento.
Como hoje observei a ligação do tema com a sugestão de leitura que se pretende incluir aqui no blog, creio que seja o momento adequado para trazê-la.
No livro Paulo e Estevão, me impressionou fundamente um detalhe até inofensivo: o tempo que Paulo "perdeu" para capitular e buscar novamente Abigail, logo no início do livro.

Claro que podemos compreender que as coisas deveriam passar-se daquela forma, que possivelmente se ambos tivessem se unido materialmente, talvez toda a situação não tivesse sido o aguilhão para a insatisfação íntima de Paulo que o deixou pronto para a transformação.

Mas, detendo-se no fato, pensei com meus botões que oito meses era muito tempo para quem ama.De fato,no período Abgail entristece-se, converte-se (parte fundamental) e adoece fatalmente.Quanto tempo se perdeu para o amor...(terrestre)

Entre vários outros pontos interessantes da obra, no momento, gostaria de dedilhar especialmente o tempo que levamos para maturar uma idéia. O tempo todo, Paulo tem que vencer suas limitações de maturidade.É repetido: ele está verde, e quer lançar-se ou insistir, então algum freio o limita, seja a cegueira, seja a momentânea incapacidade de falar com brilhantismo, seja a saúde, seja o banimento...Ele chega às portas de desencarne algumas vezes crendo que é o testemunho, mas qual...Era novo preparo.

Há muito mais do livro, obviamente, mas corro o risco de derivar.

A temática, na verdade, é uma idéia que me persegue desde a infância.
Para usar uma expressão bem do livro, minha mãe buscou nos "desassombrar" desde crianças com enterros, velórios e afins. Não tinha "medo" ou "não gosto", o que achei muito correto de sua parte. Lembro dela replicar "ninguém gosta de hospitais, ninguém gosta de enterros, seria cruel gostar. Mas é um dever de humanidade obrigatório". Eu poderia acrescentar que ninguém gosta de enterro, mas as pessoas que ficam gostam de solidariedade. É a certeza que não estamos juntos só nos momentos bons. Confesso que ainda fico um pouco surpresa quando alguém chega desculpando outrem, dizendo "você sabe, né, Fulano detesta enterro, hospital, essas coisas..." Quando adolescente pensava "se todos raciocinarem como ele, o caixão vai ter que andar sozinho!"

É fato que, a par das informações que temos ("Quem tem medo da morte", de Richard Simonetti auxilia simplificadamente a entender estes pontos)sabemos que é melhor a prece sincera no lugar da obrigação social. Contudo, creio que estabelecer uma prece sincera no momento de sepultamento do corpo é uma caridade simples, a qual só devemos nos furtar em caso de profundo mal-estar, pânico, etc.

De toda forma, quando criança me horrorizava com coroas de flores.

Na adolescência rascunhei várias "últimas vontades" contra os rituais (ainda não era espírita). Tenho um codicilo desde os 23 anos, renovável de tempos em tempos.

Minha mãe não demonstrava a mesma boa vontade dos enterros alheios para falar de morte entre nós,e eu encontrava além da necessidade de informar alguém, um pequeno óbice : não havia crematório na cidade para afastar o enterro que eu queria eliminar de maneira simplória.Preferia que lembrassem de mim num jasminzeiro,fazendo algo por alguém.

Compareci há um mês, a enterro de pessoa pouco conhecida, mas de muitas relações humanas, e revi minha decepcão, motivadora deste texto.
Após os rituais de costumes, foram chegando as coroas de flores por sobre o túmulo.
Uma após a outra, não se esgotavam.

Distrai meu pensamento (muito errado, sei) e comecei a contar, passando de vinte coroas enormes. Uma delas não conseguiu despregar-me os olhos: eram belíssimas rosas brancas, recém-colhidas...Tão lindas, tão...e ninguém as olhava, naturalmente.

Minha feminilidade pesou contra nessa hora. Confesso que tinha pouca atenção para as demais flores, imoladas igualmente, sem água,como antigas servas egípcias, destinadas a morrer abafadas por faraós desconhecidos.(desculpem meus termos, como disse, não refletem a posição específica do grupo do CEHL, apenas meu olhar).

Foram todos andando depressa, pois começava uma chuva torrencial. Apertou mais meu coração pelo destino das flores, agora depedaçadas. De longe, olhei a viúva,caminhando com familiares.Será que aquelas lindas rosas brancas não poderiam ter sido utilizada para abrandar um pouco sua dor, dias após o enterro?

Quantas vezes aquela pessoa desencarnadas recebera, em vida terrestre, flores tão lindas?

Naquele momento, creio, com a confusão do desencarne, entre outras questões, de pouco valiam para o desencarnado tais flores. Olhei os coveiros, como se sentem? Como seria se pudessem chegar em casa com um buquê de rosas brancas, a alegrar os cômodos simples, a encher de luz os olhos de suas esposas?

Fiquei pensando em quando vamos comprar flores para alguém nem tão íntimo. Olhamos os preços, às vezes achamos um absurdo (e o é, muitas vezes). Escolhemos um buquêzinho. E a pessoa que recebe fica tão feliz...Enfeita sua casa, enfeita suas vidas terrestres muitas vezes tão cheias de amargor e ausência de beleza.

É como um texto que li, há muitos anos, de dois amigos que nunca se encontravam e um desencarna num acidente. O outro lamenta, infeliz: "agora eu tinha todo tempo do mundo para ir ao enterro dele..."

Não poderíamos ser diferentes?

No dia que alguém que amamos muito desencarna, encontramos tempo para ir ao enterro, e não só "dar uma passadinha", encontramos dinheiro para encontrar uma coroa de flores do tamanho da tristeza que sentimos por aquela separação física...Nada parece suficiente.

Tenho consciência que os espíritas devem agir diferentemente, sem velas ou flores,e crendo na separação temporária.

Mas na prática, confesso que vejo ocorrer diversamente. Sem esquecer que nem todas as famílias são inteiramente compostas de espíritas.

Hoje lembrei do desencarnado. E mais uma vez lembrei das rosas,pendões inocentes da natureza destinadas a morrer por uma causa que desconheciam, quando podem ter sido feitas mensageiras da ternura e da alegria.

Há uns anos que pensei, num enterro, que deveríamos "matar" nossos familiares e amig@s de vez em quando. E não para faltar o trabalho.

Desejo que, como Paulo,meu tempo de maturação dessa idéia ganhe força. Não esbarre nas desculpas de tempo e dinheiro de sempre. Tenho orado em pensamento, propus para uma pessoa querida "matarmos" os/as amados/as meus e os dela.

Desejo conseguir, nessa vida, "matar" cada um/a,quem sabe uma vez no ano,sem aniversário, sem data especial, só o seu "enterro" simbólico nas terras do meu coração... para recordar o quanto merecem flores, muitas flores, que lhes enfeitem vidas e lares terrestres. No dia de sua "morte", dar toda a atenção, e iluminar suas vidas com a inocência daquelas rosas.

Para que quando se forem da vida encarnada,levem no coração todas as flores de amor que receberam nela...

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